Pisca-Tudo
(José Pozenato)
Pisca-Tudo é o nome da oficina elétrica de Januário.
Já se vê que Januário é um cara cheio de idéias diferentes.
Carro, caminhão, bicicleta, é só não acender mais as luzinhas ou as luzonas, que Januário dá um jeito. Encostou na oficina de Januário, sai piscando tudo. Até a moça sai piscando para o namorado.
Uma hora que Januário estava meio de folga, sem freguês, entrou um besourão, voando pela porta. Aterrissou na mesa das ferramentas e ficou ali, lustroso, a lataria brilhando.
Januário, muito dado à conversa, foi perguntando:
- Pronto, freguês. Precisa de alguma coisa?
E riu. Porque, imagina se o besouro ia responder. E não é que o besouro falou? Deu uma tossida, meio encabulado, e falou:
- Eu queria instalar um pisca-pisca.
Januário levou um susto o olhou para o lado da porta. Podia ter entrado um freguês de verdade, que tivesse ouvido a pergunta que ele fez para o besouro. Mas não tinha ninguém. Olhou de novo para o besouro:
- Fui eu mesmo que falei – disse o besouro. – Eu queria instalar um pisca-pisca
Januário riu nervoso. E perguntou:
- Onde está o seu carro?
- Eu quero instalar um pisca-pisca em mim.
Januário não estava mais achando graça. Se alguém ouvisse aquela conversa ia achar que ele estava pirado. Mas o besouro era do tipo teimoso:
- A oficina não é Pisca-Tudo? Quero sair daqui piscando.
E mexia as antenas, começando a ficar sem paciência.
- Não quer instalar um rádio também, para aproveitar as antenas?
- Nada de gracinhas – retrucou o besouro. – eu estou falando sério.
Januário coçou a cabeça. Como é que ia sair daquela bananosa?
- É que eu nunca fiz esse serviço em besouro. Só em automóvel, caminhão, bicicleta.
- Mentiroso. Outro dia entrou aqui um besourão azul e saiu piscando tudo. Eu vi.
- Aquilo não era besouro – riu Januário. – aquilo era um fusca.
- Dá na mesma. Todo mundo chama o fusca de besouro, não chama?
O sujeito era mesmo teimoso. Tinha que dar um fora nele:
- Você está com a lataria inteira – disse Januário. – é uma pena ter que furar esse cascão lustroso.
- Isso é problema meu. Fura onde tiver que furar.
- Vou ter que instalar uma bateria.
- Pois instala a bateria. Não estou perguntando preço. Gasta o que tiver que gastar.
Januário suspirou desanimado.
- Ta bom, faço o serviço. Mas por que faz tanta questão de instalar um pisca-pisca?
Foi a vez do besouro suspirar.
- Não vai rir de mim se eu contar? – perguntou o besouro meio desconfiado.
- Juro. Juro que não vou rir.
- É que eu estou namorando uma vaga-lume.
Januário teve que se segurar para não rir. Mas tinha jurado que ia ficar sério e ficou sério:
- É mesmo?
O besouro tossiu, disfarçado:
- Para dizer a verdade, eu ainda não estou namorando. Estou querendo namorar uma vaga-lume, mas ela não me dá bola.
- É mesmo? E por quê?
- Porque eu não tenho um pisca-pisca.
- É, essas mulheres são exigentes – comentou Januário.
- Não fala assim da minha vaga-lume – engrossou o besouro. – ela tem razão. Sem pisca-pisca eu não posso nem sair de noite com ela. E é a hora que ela mais gosta de sair.
Deu um suspiro comprido e completou:
- Precisa ver o pisca-pisca que ela tem! É lindo, é uma coisa de louco.
- Eu faço um melhor – prometeu Januário.
Se arrependeu de ter dito isso. Era pura vaidade. Mas já tinha dito e não podia voltar atrás.
- É mesmo?! – disse o besouro, quase dando um pulo de contente.
Taí, pensou, Januário. É nisso que dá ser vaidoso. Agora ia mesmo ter que instalar o pisca-pisca.
- Já que o caso é esse, de impressionar vaga-lume, eu tive uma idéias. Em vez de furar a sua lataria, eu vou puxar os fios por cima, bem alinhados, e colar com um ponto de cola. Você vai ficar um besouro listrado. Sempre é bom mudar um pouco o visual.
O besouro esfregou as antenas, de pura alegria:
- Ela vai adorar!
E lá foi o Januário atrás de fios bem finos e de cola. Conseguiu duas lâmpadas, bem pequenas, uma vermelha e outra verde. Quando acendesse a luzinha vermelha da frente, apagava a verde de trás. Um pisca-pisca de deixar a vaga-lume louca da vida.
O problema era a bateria. Tinha que ser menor que uma unha. E então lembrou: a bateria do relógio digital. Podia colar na cabeça do besouro e pintar na mesma cor lustrosa das asas.
Assim pensou e assim fez. O besouro deixou Januário fazer a instalação, com a maior paciência. Coração apaixonado é capaz de qualquer sacrifício.
Mas foi um sacrifício que valeu a pena. O besouro saiu que nem carro envenenado. Todo com listras brancas e as luzinhas verde e vermelha pisca-piscando. Ia com certeza amolecer o coração da vaga-lume.
Quando ele já tinha ido, Januário se lembrou. Devia ter instalado uma célula fotoelétrica para o pisca-pisca só acender de noite. Mas com certeza o besouro voltaria quando a bateria descarregasse. E então poderia melhorar o equipamento.
Satisfeito da vida, Januário pegou um spray e escreveu na parede da frente da oficina:
Já se vê que Januário é um cara cheio de idéias diferentes.
Carro, caminhão, bicicleta, é só não acender mais as luzinhas ou as luzonas, que Januário dá um jeito. Encostou na oficina de Januário, sai piscando tudo. Até a moça sai piscando para o namorado.
Uma hora que Januário estava meio de folga, sem freguês, entrou um besourão, voando pela porta. Aterrissou na mesa das ferramentas e ficou ali, lustroso, a lataria brilhando.
Januário, muito dado à conversa, foi perguntando:
- Pronto, freguês. Precisa de alguma coisa?
E riu. Porque, imagina se o besouro ia responder. E não é que o besouro falou? Deu uma tossida, meio encabulado, e falou:
- Eu queria instalar um pisca-pisca.
Januário levou um susto o olhou para o lado da porta. Podia ter entrado um freguês de verdade, que tivesse ouvido a pergunta que ele fez para o besouro. Mas não tinha ninguém. Olhou de novo para o besouro:
- Fui eu mesmo que falei – disse o besouro. – Eu queria instalar um pisca-pisca
Januário riu nervoso. E perguntou:
- Onde está o seu carro?
- Eu quero instalar um pisca-pisca em mim.
Januário não estava mais achando graça. Se alguém ouvisse aquela conversa ia achar que ele estava pirado. Mas o besouro era do tipo teimoso:
- A oficina não é Pisca-Tudo? Quero sair daqui piscando.
E mexia as antenas, começando a ficar sem paciência.
- Não quer instalar um rádio também, para aproveitar as antenas?
- Nada de gracinhas – retrucou o besouro. – eu estou falando sério.
Januário coçou a cabeça. Como é que ia sair daquela bananosa?
- É que eu nunca fiz esse serviço em besouro. Só em automóvel, caminhão, bicicleta.
- Mentiroso. Outro dia entrou aqui um besourão azul e saiu piscando tudo. Eu vi.
- Aquilo não era besouro – riu Januário. – aquilo era um fusca.
- Dá na mesma. Todo mundo chama o fusca de besouro, não chama?
O sujeito era mesmo teimoso. Tinha que dar um fora nele:
- Você está com a lataria inteira – disse Januário. – é uma pena ter que furar esse cascão lustroso.
- Isso é problema meu. Fura onde tiver que furar.
- Vou ter que instalar uma bateria.
- Pois instala a bateria. Não estou perguntando preço. Gasta o que tiver que gastar.
Januário suspirou desanimado.
- Ta bom, faço o serviço. Mas por que faz tanta questão de instalar um pisca-pisca?
Foi a vez do besouro suspirar.
- Não vai rir de mim se eu contar? – perguntou o besouro meio desconfiado.
- Juro. Juro que não vou rir.
- É que eu estou namorando uma vaga-lume.
Januário teve que se segurar para não rir. Mas tinha jurado que ia ficar sério e ficou sério:
- É mesmo?
O besouro tossiu, disfarçado:
- Para dizer a verdade, eu ainda não estou namorando. Estou querendo namorar uma vaga-lume, mas ela não me dá bola.
- É mesmo? E por quê?
- Porque eu não tenho um pisca-pisca.
- É, essas mulheres são exigentes – comentou Januário.
- Não fala assim da minha vaga-lume – engrossou o besouro. – ela tem razão. Sem pisca-pisca eu não posso nem sair de noite com ela. E é a hora que ela mais gosta de sair.
Deu um suspiro comprido e completou:
- Precisa ver o pisca-pisca que ela tem! É lindo, é uma coisa de louco.
- Eu faço um melhor – prometeu Januário.
Se arrependeu de ter dito isso. Era pura vaidade. Mas já tinha dito e não podia voltar atrás.
- É mesmo?! – disse o besouro, quase dando um pulo de contente.
Taí, pensou, Januário. É nisso que dá ser vaidoso. Agora ia mesmo ter que instalar o pisca-pisca.
- Já que o caso é esse, de impressionar vaga-lume, eu tive uma idéias. Em vez de furar a sua lataria, eu vou puxar os fios por cima, bem alinhados, e colar com um ponto de cola. Você vai ficar um besouro listrado. Sempre é bom mudar um pouco o visual.
O besouro esfregou as antenas, de pura alegria:
- Ela vai adorar!
E lá foi o Januário atrás de fios bem finos e de cola. Conseguiu duas lâmpadas, bem pequenas, uma vermelha e outra verde. Quando acendesse a luzinha vermelha da frente, apagava a verde de trás. Um pisca-pisca de deixar a vaga-lume louca da vida.
O problema era a bateria. Tinha que ser menor que uma unha. E então lembrou: a bateria do relógio digital. Podia colar na cabeça do besouro e pintar na mesma cor lustrosa das asas.
Assim pensou e assim fez. O besouro deixou Januário fazer a instalação, com a maior paciência. Coração apaixonado é capaz de qualquer sacrifício.
Mas foi um sacrifício que valeu a pena. O besouro saiu que nem carro envenenado. Todo com listras brancas e as luzinhas verde e vermelha pisca-piscando. Ia com certeza amolecer o coração da vaga-lume.
Quando ele já tinha ido, Januário se lembrou. Devia ter instalado uma célula fotoelétrica para o pisca-pisca só acender de noite. Mas com certeza o besouro voltaria quando a bateria descarregasse. E então poderia melhorar o equipamento.
Satisfeito da vida, Januário pegou um spray e escreveu na parede da frente da oficina:
______________________
Instala-se pisca-pisca
em besouros
_______________________________
Pensou mais um pouco e escreveu embaixo:
_______________________
Conserta-se pisca-pisca
de vaga-lumes
_________________________________
Resultado: a freguesia não parou de aumentar. Era uma fila de besouros e de vaga-lumes na porta da oficina Pisca-Tudo.
José Pozenato é escritor, poeta e ensaísta. Publicou os contos policiais O Caso do Martelo, O Caso do Loteamento e O caso do E-mail. Para crianças escreveu O Jacaré da Lagoa e Pisca-Tudo. É autor do livro Quatrilho, levado à tela por Fábio Barreto, concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1996.
http://www.itaucultural.org.br/rumos2004/download/literatura/piscatudo.doc
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