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1 de ago. de 2023


                  João de Barro e Joaninha de Birra

                                                         Lydia B. Castardelli

 

Amo essa história, esse livro é muito fininho, tem poucas páginas a ilustração é uma gracinha. Por ser tão fininho, perco ele de vez e quando, daí tive a ideia de postar a história completa aqui no blog. Procurei na internet pelo título do livro, pelo nome da autora, pela editora e não encontrei de jeito nenhum. Acho que esse é o único exemplar, foi editado em 1992, há 31 anos!

ESSA PRIMEIRA PARTE DA HISTÓRIA É DA MINHA CABEÇA. EU TINHA PERDIDO O LIVRO E ESTAVA CONTANDO COMO EU LEMBRAVA.

João de Barro já era um rapaz em idade de se casar. Então, voou, voou e voou até encontrar uma linda árvore onde construiu uma casa aconchegante. Pronto! Agora só faltava uma noiva. Ficou pensando como seria sua noiva. Havia de ser uma boa moça, simples e de coração bom.

Daí ele procurou uma noiva. Até que um belo dia estava ele cuidando do jardim de sua pequena casa, quando viu voando por ali uma Joaninha que era uma graça.

Colheu uma flor ofereceu à moça que aceitou prontamente. Os dois começaram a conversar. João-de-Barro falou de seu desejo de se casar... Mostrou a casa, simples aconchegante, mas a moça achou que aquela casa era pequena demais. João então se propôs a construir outro andar, onde ficariam os quartos.

Então a moça voltou a casa, olhou... Mas não gostou. Ela queria que a casa tivesse um jardim de inverno. João se pôs a construir o tal jardim de inverno... Mas quando Joaninha-de-Birra veio olhar a casa novamente...............

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O João de barro era um pássaro muito ativo e trabalhador. Era muito querido e admirado por todos.

Ele havia construído sua casinha e estava se sentindo muito só. Começou, então, a pensar em casamento, mas entre as fêmeas de seu bando, não havia nenhuma que lhe despertasse o coração. Até que um dia apareceu a Joaninha-de-Birra.

 

Ela era muito bonita, vaidosa, andava com o pescoço cheio de colares, correntinha na pata, brincos pendurados nas penas dos ouvidos.

João de Barro ficou apaixonado! foi amor a primeira vista.

Joaninha era fútil, cobiçava o luxo e o poder, percebeu que João de Barro poderia satisfazer sua vaidade. Quando ele lhe pediu em casamento, aceitou logo, mas foi impondo condições.

- Eu só me casarei se você me der tudo o que eu quiser.

- Pode pedir o que você deseja. Respondeu prontamente o João de Barro.

- Bem, pra começar, eu quero uma casa bem grande, cheia de portas e janelas.

- Mas meu bem, eu já tenho uma casa! Disse João.

- Que nada, aquilo pra mim não é casa. Quero uma casa que desperte a cobiça de todos os pássaros da floresta, disse Joaninha com seu jeito petulante e atrevido de quem não se contenta com nada.

João ficou triste com aquela exigência, mas resolveu não contrariar sua amada. Procurou a mais bela e frondosa arvore que havia na floresta e começou a construir a casa dos sonhos da Joaninha. Com muito trabalho fez três casinhas geminadas. Em cima dessas construiu mais duas e em cima dessas construiu mais uma. Parecia um palácio, cheio de portas e janelas do jeito que Joaninha queria.

Quando Joaninha viu a casa, achou-a bem grande, mas ainda não estava contente. Ela queria mais.

- Você não gostou? Perguntou João de Barro.

- É... a casa é grande, mas eu quero um acabamento melhor. Esse seu acabamento é muito rústico.

João não sabia o que fazer para agradá-la. Voou até a praia e contou o seu problema ao mar. O mar ficou com pena dele e ordenou aos peixes que fossem ao fundo do mar buscar uma sacola de pérolas e as ofereceu ao João de Barro dizendo:

- Este será o meu presente de casamento. Leve essas pérolas e revista seu palácio com elas. Garanto que sua noiva vai gostar.

João agradeceu e voou feliz da vida. Pegou as pérolas e foi colocando uma a uma, deixando uma pequena distância entre elas revestindo, assim, toda a casa. Quando terminou sua obra, sentiu-se orgulhoso e mandou chamar Joaninha para que visse.

- Está mais ou menos, disse ela.

- Mas o que é que está faltando Joaninha? Perguntou ele.

- Está faltando mais brilho. Quero que a noite todos os pássaros da floresta possam ver nossa casa.

João de Barro ficou decepcionado com aquele temperamento egoísta que cobiçava o luxo e o poder. Joaninha não queria que ninguém fosse melhor que ela.

Joaninha foi embora, deixando João no topo da casa, olhando triste para o céu.

Foi então que o céu lhe perguntou:

- João de Barro por que você está tão triste?

João contou-lhe a causa de sua dor. Havia trabalhado tanto, e tudo fora em vão. Joaninha não estava satisfeita.

O céu compadeceu-se dele e disse-lhe:

- O mar deu-lhe as pérolas de presente de casamento, pois eu vou dar-lhe uma chuva de estrelinhas para dar brilho ao seu palácio.

E uma chuva de estrelinhas caiu do céu e se acomodou entre as pérolas. Se a casa de João já era bonita, agora estava lindíssima.

João-de-Barro estava comovido. Agradeceu ao céu e foi buscar sua noiva para ver sua obra.

Joaninha dessa vez ficou encantada. Agora sim ela seria uma rainha, a rainha da espécie dos Joãos-de-Barro.

Beijou seu noivo, mas ainda não estava do jeito que ela queria.

- Podemos nos casar? Perguntou João.

- Não, João, ainda não. Falta uma coisinha.

- O que é? Perguntou o nosso amigo irritado.

- Só falta revestir as paredes internas. Elas não estão combinando com os detalhes externos. Eu quero que você as revista de ouro.

João quase teve um chilique. Ficou com vontade de desistir do casamento, mas Joaninha tanto insistiu, tanto chorou que acabou convencendo-o.

João voou até o rio e contou-lhe o seu drama, o rio acalmou-o disse-lhe:

- Se o mar lhe deu as pérolas e o céu as estrelas, eu posso dar-lhe o ouro em pó de que precisa. E deu-lhe um balde de ouro em pó que estava em seu leito.

Agradecido, João despediu-se e foi revestir as paredes internas do seu palácio.

Todos os pássaros ficaram de bico aberto diante de tanta beleza, pois agora sua noiva iria ficar satisfeita.

De fato, Joaninha ficou encantada e marcou o casamento para o dia seguinte. Casaram-se e foram morar lá.

Mas o pior aconteceu. O brilho das estrelas iluminavam a casa toda e eles não podiam dormir. Durante o dia, o sol entrava pelas portas e janelas, refletiam no ouro das paredes e eles não podiam abrir os olhos. Passaram três dias no maior sufoco.

Joaninha arrependida pediu a João que tirasse aquele ouro de lá. Assim ele fez, mas com as pancadas que ele tinha que dar nas paredes, as pérolas desprenderam-se e as estrelinhas assustadas, fugiram para o céu. E assim, sem o ouro e sem as estrelas puderam dormir sossegados. Mas durante a noite, desabou um temporal e eles tiveram que fugir. O vento derrubou aquela bela casa de três andares. A água da chuva carregou o ouro e as pérolas para o rio. O rio devolveu as pérolas para o mar.

João-de-Barro e Joaninha-de-Birra foram viver naquela casinha que João havia construído antes de casar.

Assim, cada coisa ficou em seu lugar. As estrelas no céu. O ouro no leito do rio e as pérolas no mar. João e Joaninha foram morar na casa de barro igualzinha às casas que Deus permite a todos Joãos-de-Barro. Joaninha recebeu uma lição de que o orgulho e a cobiça não fazem ninguém feliz.

 

9 de mar. de 2019

Olá amigos. Criei coragem e postei uma história no YouTube. Passem por lá, dêem um curtir e se inscrevam no canal. Vai ser divertido.
 https://youtu.be/b720KbhQXOg


29 de nov. de 2018


Dizem  que a Morte sempre foi cheia de truques. Uma vez, por exemplo, apareceu de manhã cedo diante de um jovem bonito, risonho e cheio de saúde que trabalhava na terra. Assustado, o rapaz agarrou a enxada e ameaçou:
 — Se veio pra me levar vai ter que lutar comigo. Sou moço e ainda pretendo viver bastante! Mas a Morte foi esperta.
 — Que é isso, rapaz! Que bobagem! — respondeu ela, com voz jeitosa.
 — Não é nada disso. Largue essa enxada! Vim aqui para lhe dar um prêmio!
 — Prêmio? — quis saber o outro, desconfiado. A Morte falava macio. Anunciou que aquele era um dia de sorte para o rapaz. Que se ele largasse o trabalho e saísse correndo pelos campos, toda a extensão de terra que conseguisse percorrer seria sua. O moço era forte. Imaginou que poderia correr muito e ganhar um monte de terra. "Vou ficar rico!", pensou ele. — Eu topo!
E lá se foi o jovem, a toda velocidade, atravessando planícies, subindo e descendo montanhas, saltando barrancos e rios, enfrentando florestas, correndo, correndo e correndo sem parar. Corria e pensava:
"Tudo isso vai ser meu! Tudo isso vai ser meu!". Antes do fim do dia, seu corpo, enfraquecido pelo cansaço, infelizmente não aguentou. O jovem sentiu-se mal, tropeçou numa pedra, rolou por um barranco e morreu. A Morte então, dizem, surgiu no espaço, abriu uma cova no chão e enterrou o rapaz.
 — Toma! — rosnou ela, segurando a pá.
— Essa é toda a terra que você precisava para viver! E assim foi. Com essa mesma conversa mole, a Morte apareceu, um dia, na casa de um ferreiro. O homem era jovem e vivia trabalhando o dia inteiro diante de um forno. Mesmo assim não tinha um tostão. É que aquele moço tinha bom coração e estava sempre repartindo suas coisas com as pessoas que precisavam. Quando escutou a proposta da Morte, o ferreiro deu risada:
— O que vou fazer com tanta terra?
A Morte fingiu espanto: — Você é moço. Vai me dizer que não quer ficar rico e poderoso?
O jovem pegou um pedaço de ferro em brasa e atirou na cara da Morte.
 — Cai fora, desgraçada! Vai embora daqui! Me deixa trabalhar e viver minha vida em paz!
A Morte afastou-se resmungando baixinho:
 — Vai esperando que eu ainda pego você. O ferreiro escutou bem aquelas palavras mas não ligou. Certa tarde, voltando para casa, encontrou uma velhinha na beira da estrada, sentada num barranco.
 — Por favor, moço — disse ela ofegante.
 — Há três dias que eu não como nada.
 Me arranje um pouco de comida que eu não aguento mais de tanta fome.
 Na sacola, o ferreiro só tinha um pedaço de pão velho e um pouco de carne. Estava levando para casa para repartir com sua mulher. Na verdade, era a única coisa que tinham para comer. Examinou a velha. Ficou com pena. Ele e a esposa eram jovens e podiam ficar uma noite sem comer. Aquela mulher, ao contrário, se não comesse alguma coisa, corria risco de morrer. Pensando assim, abriu a sacola, e deu pão e carne para a velha. Depois de saciar a fome, a mulher agradeceu muito. E deixou o ferreiro surpreso. Disse que sabia da vida dele. Sabia do encontro com a Morte. Sabia que ele tinha bom coração. Os olhos da velha brilharam. Contou que tinha poderes mágicos.
 — Faça três pedidos — disse ela —, que eles serão atendidos. O ferreiro pensou bastante. Depois pediu três coisas. Ferro e carvão para poder trabalhar sossegado pelo resto da vida; uma mesa mágica que sempre tivesse comida em cima; e uma viola que, quando ele tocasse, fizesse as pessoas saírem dançando sem conseguir parar.
 — Você merece tudo isso — exclamou a velha antes de desaparecer no mundo. A partir daquele dia, a vida do ferreiro mudou completamente. Passou a ter trabalho garantido e muita comida em casa. Mas o tempo, quando vai se ver, já passou. O jovem ferreiro virou um homem velho.
Um dia, bateram na porta de sua casa. Era a Morte.
— Lembra de mim? — perguntou a danada sorrindo.
— Dessa vez não tem saída. Vim buscar você. O homem convidou a Morte para entrar. Quando viu aquela figura na sala e soube da má notícia, a esposa do ferreiro começou a chorar.
 — Não leve meu marido! — implorou ela.
— A hora dele chegou — explicou a Morte. — Não posso fazer nada.
O ferreiro pediu para a mulher sair da sala. Chamou a Morte de lado. Confessou que tinha um último pedido. Era importante. Antes de morrer, queria tocar um pouco de viola. — Tudo bem — disse a Morte —, mas seja rápido, pois tenho outras pessoas para levar. O velho ferreiro tirou a viola do armário, sentou-se numa cadeira confortável e começou a tocar. Ao escutar aquela música mágica, a Morte estremeceu e saiu pela sala pulando, dançando e sapateando.
— Pare com isso! — gritou ela, assustada.
— Paro coisa nenhuma! — respondeu o homem rindo e tocando. E seus dedos voavam fazendo vibrar as cordas da viola.
A Morte, enquanto isso, rebolava, gingava e requebrava descontrolada, sem conseguir parar. — Pare de tocar essa maldita viola! — berrava ela.
 — Só paro se você me der mais três anos de vida. Tenho muitas coisas que ainda quero fazer. — É muito — respondeu a Morte pererecando suada e desajeitada pela sala. — Você está velho demais.
 — Então me dê dois anos. Tenho lugares para conhecer e amigos para fazer.
— Não posso — gritou a Morte já sem fôlego. — Preciso cumprir minha missão. Além disso, você já viveu muito.
O velho ferreiro aumentou o ritmo.
— Ou me dá dois anos ou vou ficar aqui tocando pelo resto da vida e você aí dançando e saracoteando.
A Morte não queria fazer acordo. O homem insistiu. A negociação acabou durando a noite inteira. No começo da madrugada, os dois fizeram um pacto. A Morte ficou de voltar dali a um ano. E assim foi. Durante aquele último ano de vida, o velho ferreiro fez um pouco de tudo. Viajou pelo mundo. Conheceu gente. Aprofundou amizades. Procurou suas pessoas queridas e disse que gostava muito delas. Infelizmente o tempo é uma roda que gira sem breque nem eixo.
O ano passou. Certa tarde, bateram na porta. A mulher do ferreiro foi ver. Era a Morte, outra vez.
— Vim buscar seu marido — disse a terrível com a foice na mão. Acontece que, por sorte, o ferreiro não estava em casa. A Morte fez cara feia.
— Avise a ele que daqui a uma semana eu volto sem falta! Quando o ferreiro chegou em casa, sua mulher estava apavorada. Contou o que havia acontecido.
— Tenho uma ideia — disse ele. — Quando a Morte vier, semana que vem, diga de novo que eu não estou. Vamos ver o que acontece. Na semana seguinte, quando a Morte bateu na porta e soube que o ferreiro não estava, ficou muito aborrecida.
— Mas nós fizemos um trato! — disse ela. — Tenho que fazer meu trabalho! Assim não é possível! Estava tudo combinado! A Morte, então, mandou um recado ameaçador. Voltaria na semana seguinte. Garantiu que seria a última vez. Levaria o ferreiro na marra, por bem ou por mal. Quando a Morte foi embora, o ferreiro e a mulher conversaram e bolaram um plano. O ferreiro pintou os cabelos de preto, colocou barba postiça e ainda uns óculos de lentes grossas. A noite estava escura quando, uma semana depois, a Morte apareceu. A mulher do ferreiro abriu a porta e fez o que havia combinado com o marido.
— Infelizmente ele teve que sair — explicou ela, sem jeito.
 — Era um caso urgente. A Morte ficou furiosa: — Seu marido é um mentiroso! Está tentando me enganar! — Talvez o jeito seja sair por aí à procura dele — sugeriu a mulher.
 — Mas nós fizemos um trato!
— Não posso fazer nada. Saia por aí — aconselhou a esposa do ferreiro.
— Quem sabe não encontra meu marido em alguma estrada do mundo? — Nada disso — respondeu a Morte.
 — Estou com muita pressa. Vejo que você tem uma visita — disse ela, examinando o homem de barba e óculos de lentes grossas.
— Sim — mentiu a mulher —, é meu tio. Irmão da minha mãe. Está aqui de passagem. Veio me fazer uma visita.
— Hoje tenho que cumprir minha missão de qualquer jeito. Já que seu marido não está, vou levar o seu tio mesmo. E assim, dizem, o velho ferreiro teve seu último dia na vida.

Zé Malandro era boa pessoa, mas malandro que nem ele só. Em vez de trabalhar como todo mundo, preferia passar a vida zanzando e jogando baralho. Ou então ficava deitado na rede, folgado, tocando viola de papo para o ar. Por causa disso era pobre, pobre, pobre. 
Certo dia, estava em casa preparando o jantar, um pouquinho de feijão e um pedaço de pão seco, quando bateram na porta. Era um viajante. O homem, muito velho, pedia um pouco de comida. 
— Entre aí — disse Zé Malandro. — Onde um quase não come, dois quase não vão comer também. 
Os dois riram. 
Após o jantar, o viajante agradeceu muito e contou que tinha poderes mágicos. 
— Você foi muito generoso repartindo a comida comigo 
— disse o velho viajante. — Em retribuição pode me fazer quatro pedidos. Por exemplo — sugeriu ele —, se quiser, 
pode pedir para ser protegido pelo resto da vida. 

— Concedido — disse o velho. — Por exemplo, se quiser, pode pedir perdão para todos os seus pecados. 
Zé Malandro pensou e disse: 
— Prefiro ter uma figueira que quem subir nela só desce com minha ordem. 
— Concedido — disse o velho. — Por exemplo, se quiser, pode pedir sua salvação. 
Zé Malandro pensou e disse: 
— Prefiro ter um banco que quem sentar nele só sai com minha ordem. 
— Concedido — disse o velho. — Por exemplo, se quiser, pode pedir, quando morrer, para ir para o céu. 
Zé Malandro pensou e disse: 
— Prefiro ter um saco de pano que quem entrar dentro só sai se eu mandar. 
O velho coçou a cabeça, concedeu, despediu-se e seguiu viagem. 
A partir daquele dia, Zé Malandro plantou um pé de figo ao lado de sua casa e nunca mais se preocupou com nada 
vezes nada. Passava o dia inteiro ou deitado na rede de papo para o ar ou jogando baralho. Como ganhava todas, 
sempre tinha dinheiro para comprar comida, roupa e as coisas de casa. Era tudo de que o Zé precisava. Mas o tempo é invisível. Passa dia e noite e ninguém vê.  A figueira virou uma árvore frondosa e Zé Malandro 
acabou ficando velho. Muito velho.
Certa noite, bateram na porta de sua casa. Era a Morte vestida com uma capa preta. 
— Zé, pode se preparar. Sua hora chegou — disse ela segurando uma foice.


— Mas como! — exclamou ele espantado. — Já? Deve haver algum engano! Ainda me sinto tão bem! 
A Morte não era de muita conversa. 
— Se está pronto, vamos. 
Zé Malandro baixou a cabeça. 
— Posso fazer um último pedido? — perguntou ele com lágrimas nos olhos. — Quero comer um figo antes de morrer. 
— Pode ser — disse a Morte. — Mas ande logo com isso. 
— O problema — explicou Zé Malandro retorcendo o corpo de lado — é que estou meio velho e já não consigo trepar na árvore para pegar uma fruta. 
E implorou: 
— Por favor, dona Morte, faça isso por mim! É o último desejo de um pobre velho miserável raquítico esclerosado caindo aos pedaços! 
A Morte resmungou mas aceitou. Subiu na árvore, arrancou um figo e lá ficou. Não conseguiu mais descer de jeito nenhum. 
Zé Malandro deu risada, despediu-se e foi jogar baralho. 
Deixou a Morte presa lá em cima, furiosa. 
Com a Morte aprisionada no alto da figueira, a confusão na cidade onde Zé Malandro vivia foi geral. Como ninguém mais morria, os coveiros e fabricantes de caixões ficaram sem trabalho. Os médicos e hospitais perderam a clientela. 
E, além disso, houve desemprego, pois as pessoas não se aposentavam mais nem cediam lugar para as outras mais 
jovens. E o pior: a população começou a aumentar muito. 
— Isso é contra a natureza! — gritava a Morte revoltada, agarrada nos galhos da figueira. — Você tem que me deixar 
sair daqui! 
E a Morte insistiu tanto, explicou tanto, argumentou tanto que Zé Malandro acabou cedendo. 
— Mas só deixo você descer se me der mais sete anos de vida — disse ele. 
A Morte não tinha outro jeito. Acabou concordando. 
E assim, Zé Malandro continuou sua vidinha folgada de sempre, feliz da vida, jogando baralho, cada vez mais velho, 
cada vez mais invencível. 
Sete anos passam depressa. 
Certa noite, bateram na sua porta. Era um homem estranho, de cara feia, chapéu e paletó escuro. 
— Zé, se prepare — disse o homem. — Sua hora chegou. 
— Quem é você? — quis saber Zé Malandro. 
— Sou o Diabo — respondeu o outro, tirando o chapéu e mostrando dois tristes chifres. — A Morte não quis vir de jeito 
nenhum, mas me mandou no lugar dela para buscar você. 
— Mas como! — disse o Zé espantado. — Já? Deve haver algum engano! 
O Diabo caiu na gargalhada. 
— Não venha com essa conversa mole. Já estou avisado sobre você. Vamos embora agorinha mesmo. Ou vai me pedir pra subir na figueira? Nessa eu não caio! 
Zé Malandro baixou a cabeça. 

— Posso fazer um último pedido? — perguntou ele com lágrimas nos olhos. — É muito importante. É o último desejo de um pobre velho miserável raquítico esclerosado 
caindo aos pedaços. Queria tomar um traguinho de cachaça antes de abotoar o paletó. Você me acompanha? 
O Diabo lambeu os beiços. 
— Até que não é má ideia! 
— Sente-se aí enquanto eu pego os copos e a pinga — disse Zé Malandro, puxando o banquinho. 
Dito e feito. O Diabo sentou e de lá não saiu mais. 
— Me tira daqui! — gritou ele, assustado. 
Zé Malandro deu risada, despediu-se e foi jogar baralho. 
Com o Diabo preso no banquinho, acabaram-se os crimes na cidade. As cadeias ficaram vazias e os guardas, delegados, advogados e juízes preocupados em perder seus 
empregos. Além disso, como as pessoas agora só falavam a verdade, começou a haver muita confusão porque as verdades são muitas. Mas o pior não foi isso. Acontece que o Diabo passava o dia inteiro sentado no banquinho gritando, guinchando e falando os piores palavrões. 
— Cala a boca! — dizia Zé Malandro. 
— Minha mulher me mata! — berrava o Diabo furioso. 
— Saí para buscar você já faz mais de um ano e ainda não voltei pra casa! Quando eu voltar ela me arrebenta! 
— Diga a ela que você ficou preso num banquinho! 
— Ela não vai acreditar! Me solta, Zé Malandro, por favor, que a Diaba me quebra a cara! 

Cansado daquela figura resmungando dia e noite dentro de casa, Zé Malandro acabou cedendo. 
— Mas só deixo você sair se me der mais sete anos de vida — disse ele. 
O Diabo não tinha outro jeito. Acabou concordando. 
E assim, Zé Malandro continuou sua vidinha folgada de sempre, feliz da vida, jogando baralho, cada vez mais velho, cada vez mais invencível. 
O tempo passou. No dia em que se completaram sete anos, Zé Malandro fechou a casa inteira bem fechada só deixando uma janelinha destrancada. No quarto, debaixo da janela, colocou seu saco de pano bem aberto. 
Naquela mesma noite, o Diabo apareceu, ele e sua mulher. 
A Diaba não tinha acreditado nem um pouco na história do banco e dessa vez quis vir junto com o marido. 
O Diabo bateu na porta. Nada. Bateu de novo. Nada. 
Acabou descobrindo a janelinha aberta e entrou com a mulher por ela. 
Os dois foram parar dentro do saco de pano e lá ficaram. 
Zé Malandro apareceu com um pedaço de pau na mão e começou a bater no saco. 
— Socorro! — berrava o Diabo. 
— Me acuda! — berrava a Diaba. 
O casal dos infernos passou o ano inteirinho dentro do 
saco tomando pancada todo santo dia. No fim, Zé Malandro cansou. Estava velho demais e até um pouco gagá. Soltou o casal de diabos que fugiu mancando apavorado. Dias depois, o Zé fechou os olhos e entregou a rapadura. 
Foi direto para as profundezas do inferno. 
Ao chegar lá bateu na porta. Apareceu o Diabo que, ao vê-lo, recuou assustado e começou a gritar: 
— Vai embora! Aqui você não entra! Cai fora, Zé Malandro! No inferno você não fica! 
Sem saber direito o que fazer, Zé Malandro foi até o céu e bateu na porta. Apareceu São Pedro. O santo fez cara feia. 
— Você não quis ser protegido, não quis perdão para seus pecados, não quis a salvação nem vir para o céu. 
Agora, não tem jeito. Vai embora! No céu você não fica. 
E assim, sem ter para onde ir, Zé Malandro achou melhor voltar para a Terra. Dizem que até hoje anda por aí, invencível, jogando seu baralhinho. 







(Ricardo Azevedo)




Um jovem viajante andava pelas estradas do mundo.
Certa tarde, arranjou um lugar debaixo de uma árvore e sentou-se para descansar.
 Um vulto apareceu, só Deus sabe de onde. O moço puxou assunto com o recém-chegado. Conversa vai, conversa vem, descobriu que aquele vulto era a Morte. Em pé, com um pedaço de pau na mão, o rapaz gritou:
 — Se veio pra me levar vai ter que ser na marra. Não pretendo morrer de jeito nenhum. Tenho uma vida inteira pela frente!
A Morte caiu na risada:
— Calma, amigo. Não tenha medo. Só estou aqui de passagem. Você é muito jovem. Sua hora ainda está longe de chegar. Um dia eu pego você, mas não vai ser já! Disse isso e desapareceu numa espécie de poeira escura e acinzentada. O jovem ficou pensando. Não queria morrer nem quando ficasse velho. Achava errado morrer. Para ele, a morte era uma injustiça. Lembrou-se de sua conversa com o vulto misterioso e sorriu:
— Acho até que a Morte sentiu um pouco de medo de mim! Daquele dia em diante, uma ideia cresceu fixa na cabeça do moço. Ia passar o resto da vida procurando um lugar onde a morte não existisse.
— Deve haver um lugar assim — disse ele para si mesmo.
 — É simplesmente uma questão de lutar para encontrar. E lá se foi o jovem viajante pelo mundo afora em busca do lugar onde ninguém morria. Andou, andou, andou. Andava e perguntava para todos que encontrava. Ninguém nunca tinha ouvido falar no tal lugar. Alguns até davam risada. Outros balançavam a cabeça sem querer acreditar. O jovem, teimoso, foi em frente. Um dia, encontrou um homem velho conduzindo uma carroça velha puxada por um burro velho. A carroça estava cheia de pedras.
 — O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre?
— Se não quer morrer — respondeu o homem velho —, fique perto de mim. E apontou o dedo para longe. — Está vendo aquela montanha? Se ficar comigo, enquanto eu não transportar toda ela com minha carroça, pedra por pedra, pedaço de terra por pedaço de terra, você vai viver.
 — Mas por quanto tempo? — Com certeza, mais do que cem anos — respondeu o homem velho.
— É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Mais adiante, encontrou um homem muito velho com um machado muito velho na mão.
— O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre?
— Se não quer morrer — respondeu o homem muito velho —, fique perto de mim. E apontou o dedo para uma floresta escura que cobria uma planície imensa. — Está vendo aquela mata? Se ficar comigo, enquanto eu não cortar todas as suas árvores, tronco por tronco, galho por galho, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — Com certeza, cerca de duzentos anos — respondeu o homem muito velho.
— É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Mais adiante, encontrou um homem muito, muito velho, carregando um balde muito, muito velho, cheio de água.
— O senhor sabe onde fica o lugar onde ninguém morre? — Se não quer morrer — respondeu o homem muito, muito velho —, fique perto de mim. E com o dedo mostrou um oceano que cobria a linha do horizonte de ponta a ponta.
— Está vendo aquele mar? Se ficar comigo, enquanto eu não tirar toda sua água com meu balde, litro por litro, gota por gota, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — Com certeza, cerca de trezentos anos — respondeu o homem muito, muito velho.
 — É pouco — disse o moço. — Quero viver bem mais que isso. Despediu-se e foi embora. Andou, andou, andou. Em seguida, andou, andou, andou. E depois, andou, andou e andou mais ainda.
 Certa noite, enxergou um castelo dourado no alto de um despenhadeiro. O castelo brilhava no meio da escuridão. O moço subiu pelas pedras do penhasco. Chegou no castelo pouco depois do amanhecer. Bateu na porta. Silêncio. Bateu de novo. O lugar parecia desabitado. Sem saber o que fazer, resolveu ficar por ali passeando. Perto de uma fonte, encontrou uma moça que o chamou pelo nome. A jovem era a coisa mais linda que o moço já tinha visto na vida.
 — Por favor — disse ele aproximando-se, encantado.
 — Por acaso, sabe onde fica o lugar onde ninguém morre? A moça sorriu e seu sorriso era simplesmente luminoso.
— Este é o lugar aonde a Morte não vem — respondeu a moça.
— Fique para sempre comigo — pediu ela. E disse mais: — Enquanto estiver aqui, tenha certeza disso, você vai viver.
— Mas por quanto tempo? — O tempo que você desejar! Era tudo o que o jovem viajante queria ouvir. A partir daquela manhã, passou a morar com a moça bonita do castelo dourado que ficava no alto do despenhadeiro. Por sorte, a vida no lugar onde ninguém morre era muito boa. Todos os dias, na hora das refeições, a mesa aparecia posta cheia de comidas e bebidas deliciosas. À noite, o jovem dormia com a bela moça numa cama macia forrada de veludo vermelho. De vez em quando o rapaz pensava na Morte.
— Enganei a bandida! — dizia ele orgulhoso e cheio de felicidade. Mas o tempo é um vento que leva tudo. Acontece que o jovem viajante deu para sentir falta da família, dos amigos e da cidade onde tinha nascido. Conversou com a moça bonita:
— Gostaria de visitar meus pais e meus irmãos.
 — Para quê? — perguntou ela. — Somos tão felizes!
— Sinto saudade — explicou o rapaz. A moça bem que tentou dissuadir o moço, mas não teve jeito. Ao perceber que o rapaz estava mesmo decidido a visitar a família, a jovem achou que já estava na hora de falar a verdade.
 — Preciso contar uma coisa — começou ela.
 — É algo que você ainda não sabe. — A moça falava com jeito.
 — Você já está morando aqui comigo há mais de quinhentos anos.
 O jovem viajante arregalou os olhos. — Como assim? No começo, o rapaz não quis acreditar nas palavras da moça, mas ela tanto falou, tanto explicou, tanto argumentou que ele acabou convencido.
 — Não faz mal — disse confuso. — Mesmo assim, quero voltar para pelo menos rever minha casa e o lugar onde nasci. A moça bonita não quis insistir mais. Apenas disse:
 — Está bem. Vá, se quiser! E explicou o que o jovem devia fazer. Pediu a ele que viajasse no cavalo branco que vivia preso na estrebaria.
 — Ele é mágico — contou ela.
— É capaz de galopar mais rápido do que a ventania. A jovem continuou. Seus olhos ficaram cheios de água:
— Por favor, preste muita atenção — pediu ela.
— Nunca desça do cavalo e, principalmente, nunca, de jeito nenhum, coma qualquer coisa enquanto estiver fora do castelo dourado. O jovem viajante concordou, pegou o cavalo branco, despediu-se e partiu.
Foi viajando e quanto mais viajava mais espantado ficava. É que o mundo estava completamente diferente! Onde antes existia uma imensa montanha agora havia uma cidade. Onde antes havia uma floresta escura agora existia uma imensa planície. Onde antes existia um oceano, o chão agora estava rachado de tão seco. O jovem cavaleiro andava, olhava e não conseguia reconhecer quase nada.
 Chegando à pequena vila onde tinha nascido, encontrou uma cidade grande e muito movimentada.
 Falou seu nome. Ninguém conhecia.
Perguntou sobre sua família. Ninguém mais lembrava.
Procurou sua antiga casa. Não existia mais.
Desconsolado, o rapaz achou melhor voltar para a moça bonita do castelo dourado que ficava no alto do despenhadeiro na terra onde ninguém morre.
Foi andando e quanto mais andava mais sentia o corpo fraco. Era uma mistura de cansaço, espanto, saudade e fome. A tarde caía fria anunciando a noite. No caminho, encontrou um homem levando uma carroça cheia de maçãs.
 A fome apertou na barriga do jovem viajante. "Uma ou duas maçãs não vão me fazer mal", pensou ele e gritou: — Dá pra me vender umas maçãs? — Quantas? — quis saber o sujeito, parando a carroça.
— Uma ou duas.
— Só isso? — exclamou o homem com voz desanimada.
— Pode pegar. Não vai custar nada. É por conta da casa. O jovem saltou do cavalo, escolheu uma maçã e mordeu. Foi quando uma mão fria e forte agarrou sua nuca.
 — Agora você não me escapa! O homem da carroça cheia de maçãs era ela, a Morte, o último suspiro, a treva sem fim, a vigília que nunca acaba, o derradeiro alento, o sono da noite sem horas.

 Conformado, o jovem viajante amoleceu o corpo e deixou que a escuridão tomasse conta de tudo.


O homem que enxergava a morte

Ricardo Azevedo  


Era um homem pobre. Morava num casebre com a mulher e seis filhos pequenos. 
O homem vivia triste e inconformado por ser tão miserável e não conseguir melhorar de vida.
Um dia, sua esposa sentiu um inchaço na barriga e descobriu que estava grávida de novo. 
Assim que o sétimo filho nasceu, o homem disse à mulher:
– Vou ver se acho alguém que queira ser padrinho de nosso filho.
Vestiu o casaco e saiu de casa com ar preocupado. Temia que ninguém quisesse ser padrinho 
da criança recém-nascida. Arranjar padrinho para o sexto filho já tinha sido difícil. 
Quem ia querer ser compadre de um pé-rapado como ele?
E lá se foi o homem andando e pensando e quanto mais pensava mais andava inconformado 
e triste.
 Mas ninguém consegue colocar rédeas no tempo.
O dia passou, o sol caiu na boca da noite e o homem ainda não tinha encontrado ninguém 
que aceitasse ser padrinho de seu filho. Desanimado, voltava para casa, quando 
deu com uma figura curva, vestindo uma capa escura, apoiada numa bengala. A bengala 
era de osso.
– Se quiser, posso ser madrinha de seu filho – ofereceu-se a figura, com voz baixa.
– Quem é você? – perguntou o homem.
– Sou a Morte.
O homem não pensou duas vezes:
– Aceito. Você sempre foi justa e honesta, pois leva para o cemitério todas as pessoas, 
sejam elas ricas ou pobres. Sim – continuou ele com voz firme –, quero que seja minha 
comadre, 
madrinha de meu sétimo filho!
E assim foi. No dia combinado, a Morte apareceu com sua capa escura e sua bengala
de osso. O batismo foi realizado. Após a cerimônia, a Morte chamou o homem de lado.
– Fiquei muito feliz com seu convite – disse ela. – Já estou acostumada a ser maltratada. 
Em todos os lugares por onde ando as pessoas fogem de mim, falam mal de mim, me 
xingam e amaldiçoam. Essa gente não entende que não faço mais do que cumprir minha 
obrigação. Já imaginou se ninguém mais morresse no mundo? Não ia sobrar lugar para 
as crianças que iam nascer! 
Na verdade – confessou a Morte –, você é a primeira pessoa que me trata com gentileza 
e compreensão.
E disse mais:
– Quero retribuir tanta consideração. Pretendo ser uma ótima madrinha para seu filho.
A Morte declarou que para isso transformaria o pobre homem numa pessoa rica, famosa 
e poderosa.
– Só assim – completou ela –, você poderá criar, proteger e cuidar de meu afilhado.
O vulto explicou então que, a partir daquele dia, o homem seria um médico.
– Médico? Eu? – perguntou o sujeito, espantado. Mas eu de Medicina não entendo nada!
– Preste atenção – disse ela.
Mandou o homem voltar para casa e colocar uma placa dizendo-se médico. Daquele 
dia em diante, caso fosse chamado para examinar algum doente, se visse a figura dela, 
a figura da Morte, 
na cabeceira da cama, isso seria sinal de que a pessoa ia ficar boa.
– Em compensação – rosnou a Morte –, se me enxergar no pé da cama, pode ir
chamando o coveiro, 
porque o doente logo, logo vai esticar as canelas.
A Morte esclareceu ainda que seria invisível para as outras pessoas.
– Daqui pra frente – concluiu a famigerada –, você vai ter o dom de conseguir enxergar 
a Morte cumprindo sua missão.Dito e feito.
O homem colocou uma placa na frente de sua casa e logo apareceram as primeiras pessoas 
adoentadas. O tempo passava correndo feito um rio que ninguém vê.
Enquanto isso, sua fama de médico começou a crescer.
É que aquele médico não errava uma.
O doente podia estar muito mal e já desenganado. Se ele dizia que ia viver, dali a 
pouco o doente estava curado.
Em outros casos, às vezes a pessoa nem parecia muito enferma. O médico chegava, 
olhava, examinava, coçava o queixo e decretava:
– Não tem jeito!
E não tinha mesmo. Não demorava muito, a pessoa sentia-se mal, ficava pálida e 
batia as botas. A fama do homem pobre que virou médico correu mundo. E com a 
fama veio a fortuna. Como muitas pessoas curadas costumavam pagar bem, o sujeito 
acabou ficando rico.
Mas o tempo é um trem que não sabe parar na estação.
O sétimo filho do homem, o afilhado da Morte, cresceu e tornou-se adulto.
Certa noite, bateram na porta da casa do médico. Dessa vez não era nenhum doente 
pedindo ajuda. Era uma figura curva, vestindo uma capa escura, apoiada numa 
bengala feita de osso. A figura falou em voz baixa:
– Caro compadre, tenho uma notícia triste: sua hora chegou. Seu filho já é homem feito. 
Estou aqui para levar você.
O médico deu um pulo da cadeira.
– Mas como! – gritou. – Fui pobre e sofri muito. Agora que tenho uma profissão, ajudo 
tantas pessoas,tenho riqueza e fartura, você aparece pra me levar! Isso não é justo!
A Morte sorriu.
– Vá até o espelho e olhe para si mesmo – sugeriu. – Está velho. Seu tempo já passou.
Mas o médico não se conformava. E argumentou, e pediu, e suplicou tanto que a Morte 
resolveu conceder mais um pouquinho de tempo.
– Só porque somos compadres, só por ser madrinha de seu filho, vou lhe dar mais um 
ano de vida – disse ela antes de sumir na imensidão.
O velho médico continuou a atender gente doente pelo mundo afora.
Um dia, recebeu um chamado. Era urgente. Uma moça estava gravemente enferma. 
Disseram que seu estado era desesperador. O homem pegou a maleta e saiu correndo. 
Assim que entrou no quarto da menina enxergou, parada ao pé da cama, a figura sombria e 
invisível da Morte, pronta para dar o bote.
O médico sentou-se na beira da cama e examinou a moça. Era muito bonita e delicada. 
O homem sentiu pena. Uma pessoa tão jovem, com uma vida inteira pela frente, não podia 
morrer assim sem mais nem menos. "Isso está muito errado", pensou o médico, e tomou 
uma decisão. 
"Já estou velho, não tenho nada a perder. Pela primeira vez na vida vou ter que desafiar 
minha comadre.
" E rápido, de surpresa, antes que a Morte pudesse fazer qualquer coisa, deu um jeito 
de virar o corpo da menina na cama, de modo que a cabeça ficou no lugar dos pés e os 
pés foram parar do lado da cabeceira. Fez isso e berrou:
– Tenho certeza! Ela vai viver! E não deu outra. Dali a pouco, a linda menina abriu 
os olhos e sorriu como se tivesse acordado de um sonho ruim.
A família da moça agradeceu e festejou. A Morte foi embora contrariada, e no dia seguinte 
apareceu na casa do médico.
– Que história é essa? Ontem você me enganou!
– Mas ela ainda era uma criança!
– E daí? Aquela moça estava marcada para morrer ¬disse a Morte. – Você contrariou o 
destino. Agora vai pagar caro pelo que fez. Vou levar você no lugar dela!
O médico tentou negociar. Disse que queria viver mais um pouco.
– Nós combinamos um ano – argumentou ele.
– Nosso trato foi quebrado. Não quero saber de nada – respondeu a Morte. – Venha comigo!
– Lembre-se de que até hoje eu fui a única pessoa que tratou você com gentileza e 
consideração!A Morte balançou a cabeça.
– Quer ver uma coisa? – perguntou ela.
E, num passe de mágica, transportou o médico para um lugar desconhecido e estranho. 
Era um salão imenso, cheio de velas acesas, de todas as qualidades, tipos e tamanhos.
– O que é isso? – quis saber o velho.
– Cada vela dessas corresponde à vida de uma pessoa – explicou a Morte. As velas grandes, 
bem acesas, cheias de luz, são vidas que ainda vão durar muito. 
As pequenas são vidas que já estão chegando ao fim. Olhe a sua.
E mostrou um toquinho de vela, com a chama trêmula, quase apagando.
Mas então minha vida está por um fio! – exclamou o homem assustado. 
– Quer dizer que tudo está perdido e não resta nenhuma esperança?
A Morte fez "sim" com a cabeça. Em seguida, transportou o médico de volta para casa.
– Tenho um último pedido a fazer – suplicou o homem, já enfraquecido, deitado na cama. 
– Antes de morrer, gostaria de rezar o Pai-Nosso.
A Morte concordou.
Mas o velho médico não ficou satisfeito.
– Quero que me prometa uma coisa. Jure de pé junto que só vai me levar embora 
depois que eu terminar a oração. A Morte jurou e o homem começou a rezar:
– Pai-Nosso que...
Começou, parou e sorriu.
– Vamos lá, compadre – grunhiu a Morte. – Termine logo com isso que eu tenho mais o 
que fazer.
– Coisa nenhuma! – exclamou o médico saltando vitorioso da cama.
 – Você jurou que só me levava quando eu terminasse de rezar. 
Pois bem, pretendo levar anos para acabar minha reza...
Ao perceber que tinha sido enganada mais uma vez, a Morte resolveu ir embora,
 mas antes fez uma ameaça:
– Deixa que eu pego você!
Dizem que aquele homem ainda durou muitos e muitos anos. Mas, um dia, viajando, 
deu com um corpo caído na estrada. O velho médico bem que tentou, mas não havia 
nada a fazer.
– Que tristeza! Morrer assim sozinho no meio do caminho! Antes de enterrar o infeliz, 
o bom homem tirou o chapéu e rezou o Pai-Nosso.
Mal acabou de dizer amém, o morto abriu os olhos e sorriu. Era a Morte fingindo-se
de morto.
– Agora você não me escapa!
Naquele exato instante, uma vela pequena, num lugar desconhecido e estranho, 
estremeceu e ficou sem luz.

AZEVEDO, Ricardo. Contos de enganar a Morte. São Paulo: Ática, 2003.